segunda-feira, 17 de maio de 2010

Queixa.

Hoje eu quero me queixar, mas não sei de quê. Não sei por que me debruçar sobre tanta queixa, por entre as deixas, as brechas da porta. É que eu acordei com uma vontade de queixar ao mundo, talvez não me queixar, mas queixar ao mundo. Pensei em queixar as cores, até me lembrar que elas deformam com o brilho da luz. Alma luminosa não deixa de acompanhar as cores, então que a cor sinta meu relicário abstrato. Pensei em me queixar às flores, bobagem pura. Com o passar do tempo as flores extraídas na condição de pura flor murcham. Sem raiz, sem vida. Logo me veio ao paladar o sabor doce. Irei me queixar aos doces, mas estes azedam. Metamorfoseando um beco sem saída, um lugar escuro, úmido... Onde cores são distorcidas, flores estão murchas e doces já azedaram com o tempo. Maldito tempo! Irei me queixar aos amores, então. O que acontecerá? Adiantei meu calendário para um ano distante. Foi a sensação sufocante de algo grandioso. Não só um rei, mas uma corte inteira em minha barriga em um baile de gala sideral, desviando de meteoros em um compasso fixo. Sem perder o ritmo, a elegância e o encantamento. Vez ou outra tiros de raspão, mas sempre havia o parceiro para continuar a dança. Encantavam-me os rodopios florais, os aromas doces e os movimentos rápidos pintando um arco-íris que coloria agora o céu da minha boca. Ah, irei queixar aos amores! Irei assim amarga, com roupas de dormir, na madrugada vaga me esgueirando entre os corredores, gritando o mundo aos sussurros. Essa é a minha arte de recorrer à única fonte que não perece.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Publicidade de busu.

Esse é um post totalmente leigo. Já tenho um publicitário na família, amigos publicitários e essa definitivamente não é minha vocação espontânea. “E então por que um texto sobre publicidade, Manu?” Foda-se, a porra do blog é minha e eu escrevo o estrume que me der na telha. Não me deu na telha, mas me deu no buzu. Sem duplo sentido, leitor(a) safado(a).
Hoje foi um dia atípico. Pra abrir com chave de ouro esbarrei num alien na entrada do colégio e cinco segundos depois tropecei num paralelepípedo enviado pelo demônio bem na frente do mesmo alien, só pra assumir a carapuça de idiota. Repeti para mim mesma em voz baixa:
- Não é o meu dia, não é o meu dia.
E foi nesse embalo que cheguei ao fim da manhã viva, sabe-se lá como. Cumpri com o resto das minhas obrigações, encontrei Namorado pelos corredores e parti pra casa. São dois ônibus pra chegar na minha favela, ou sair da favela onde eu estou. Ainda não descobri isso. O fato é que tomei o primeiro ônibus, um cobrador gentil, uma viagem tranqüila até a 7 portas. Fiquei tão presa nos meus devaneios que só consegui lembrar que ali era a 7 portas depois de ver uma placa bem grande “HORT-FRUIT 7 PORTAS”. Bang! Saltei, atravessei a rua e esperei caladinha o meu ônibus passar. Uma senhora mirradinha, com uma toalhinha amarela na mão que aparava a tosse meio cansada começou a falar do meu lado:
- É, mas no barbalho passava de cinco em cinco minutos!
E eu balançando minha cabeça positivamente, educadamente apática até perceber que na verdade ela comentava com uma coroa de meia idade um pouco acabada pelo tempo e logo percebi que entre as duas havia alguma ligação. Amigas de bingo, mãe e filha, tia e sobrinha, não importava. Só o fato de que na verdade eu não tinha sido importunada, me fez ver a senhorinha com outros olhos. E então minha mente doentia, tomada pelo transtorno obsessivo compulsivo (manias de segurança, de simetria e todo o resto) me fez perguntar a tal senhorinha:
- Olá! A senhora sabe me dizer se aqui passa ônibus para paralela?
Eu sabia que passava ônibus para a paralela, mas eu quis me certificar pela milésima vez. É como trancar uma porta 2 vezes e voltar pra ver se ela está aberta. É, eu faço isso. Durante a conversa passou um Marback que vem direto pra o Imbuí – meu bairro – mas eu só percebi depois que o ônibus tinha passado. No final das contas peguei meu ônibus para a paralela. Perguntei no ônibus só para me certificar:
- Moço, esse ônibus passa pela paralela?
E o cobrador me olhou com uma cara de cu enrugado, balançando a cabeça. Também não falei mais. Entrei em transe observando os no máximo 30 metros que separavam o ônibus do próximo ponto. E para minha surpresa entra um amigo que não vejo há quase um ano, mas que é queridíssimo, cujo defeito maior é ser palmeirense. Quem agüenta? Me entra ele porta adentro do ônibus com aquela camisa verde fluorescente do Palmeiras, larguei do banco onde eu estava mesmo:
- Mas Palmeirense é uma raça ruim! Até no ônibus essas pestes surgem do além.
Ele riu, sentou num banco atrás de mim e ficamos papeando sobre futebol, sobre as coisas novas em nossas vidas, sobre o fato esquizofrênico de que ele agora joga futebol Americano - é muita vontade de apanhar – e tudo mais. Passando ali pela estação do Iguatemi vem o susto. Entra um broder seco e risonho na pegada do psicopata com uma H2OH na mão.
- Olhaaaaaaaaa! – Gugu feelings. – Essa não é água! É verde, mas é H2OH.
E eu com meus botões pensando na redundância brilhante do carinha que logo me arrancou uma gargalhada do fundo do rim. A figura era piada da cabeça aos pés. Sabiamente ele observou as pessoas no ônibus e veio logo brincar com o broder da camisa verde, o palmeirense, vulgo Mateus.
- E você aí, Framenguista?
- Flamenguista? Porra, sacaneou, viu? – Não deixei barato.
- Porra de flamenguista, rapaz. – Risos compulsivos – Sou flamenguista não!
E o cara da H2OH continuou observando, entupindo quieto a garrafinha gelada queimando a pele.
- O que é raposa? Vai comprar não, raposa? – E o vendedor risonho prosseguiu na tentativa frustrada de vender sua água e descobrir pra que time Mateus torcia.
- Porra de raposa, rapaz. Ta maluco, é? – Perguntou Mateus ainda numa vibe de muitos risos.
Essa era a pergunta que não poderia ser feita. Mas o maluco era bem compreensivo.
- Eu sou Palmeirense... – Complementou o broder malandragem.
- Oxe, é palmeirense! Por isso vai compra comigo... Se Palmeiras é verde, Palmeiras é muito... – As reticências foram algo bem “professor-aluno”, quando o professor espera que o aluno complemente a resposta. O silêncio se estabeleceu e o maluco se voltou pra mim, só tive oportunidade de balbuciar as primeiras palavras que me vieram à mente:
- É muito bom!
- Que nada... É muito esperança! Tudo isso aí é muito esperança!
Estão lendo? Tudo, tudo é muito esperança. E o resto é resto. E então o cara se despediu com um amigável aperto de mão quando percebeu que daquele mato não saia coelho. Eu sinceramente tive vontade de comprar a aguinha do cara, não por dó, mas pela elaboração genial do discurso impensado. Quer dizer, ele entrou, observou o seu público, direcionou o seu foco para quem tinha alguma afinidade com o seu produto – no caso a cor da camisa – e a partir daí despejou argumentos, conversas pra persuadir seu público. Esse cara no auge da sua ignorância soube fazer algo humano. Se eu fosse publicitária, trataria de dar umas voltas de ônibus por Salvador. Propaganda sem a parte humana? Essa, meu amigo... É só mais um folheto empilhado na lixeira.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ternura.


(Esse é um gatinho do IFBA que fica caminhando solitário e tem sido meu grande companheiro de conversas retóricas. Ele foi a inspiração.)


- Porque te apegastes tão fácil?
- Não sei. Não pude evitar não me render aos olhos tenros me fitando por entre as brechas das cadeiras. Não pude evitar o bombear mais rápido de sangue ao meu corpo quando o segurei e ele fez de minhas mãos abrigo. Não é todo dia que alguém sabe fazer do outro a sua própria casa. Temos andado trancafiados em nossos próprios devaneios idealizando coisas ideais e esquecendo do descompassado que nos envolve. Não sei. Não é sempre que alguém tira um minuto do dia pra me acariciar suavemente com o as patinhas, com as mãozinhas, com os olhinhos. Anda faltando ternura. Eu seria capaz de doar parte de mim pela ternura alheia, como um bem necessário ao meu ser.
- Você viaja. É só um animal.
- Foram só 5 minutos de solidão em que não me senti sozinha. Sem palavras, sem alarmes sem surpresas. O desenrolar calmo de uma serenata orquestrada por ternura. Nada mais que ternura. O embalo de carícias mútuas sem exigir nada em troca.
- E?
- Dei meu amor a um gato. Daria meu amor a você.

Antes eles do que eu!

Um dos piores dilemas do ser humano é ser corno. E digo mais, uma das maiores infelicidades do ser humano é ser corno manso. Essa não é uma questão que está ligada apenas aos relacionamentos afetivos e eu começo citando esse viés da vida humana, porque esse domingo eu vi a personificação dos cornos mansos: os torcedores do Bahia. Acredite que eu também torço pra essa merda, já comprei até uma passadeira de chifres pra desfilar pomposa por aí. O mais engraçado do Bahia é que porque ele foi alguma coisa um dia, em tempos faraônicos, os torcedores acreditam que no futuro o estrume virará adubo. Eu acredito. Tomei no cu por isso. Mas vou contar que eu já avancei de estágio, pulei pra fase do corno que bate na mulher, no primeiro gol perdido virei minhas costas pro televisor e cochilei. Meu orifício anal pra esses filho da putinhas, porra! Essa é a parte da indignação do corno. Você pula ela, está bem? O caso é que de toda parte minha indignação não é com o Bahia. De tanto me foder em um estado só, eu comecei a torcer pra um time em cada estado brasileiro, sabe? Só pra ter opção. Não, não cheguei ao Acre ainda. Inclusão digital tem limite.
A minha grande paixão, na verdade, é o Corinthians que passou longe de ser campeão do Paulistão. Duas decepções é demais pro meu pobre coração entupido de gordura trans. Mas como diz a Lei de Murphy todo ser humano tem potencial pra se foder em alta e se foder da pior maneira possível. E foi enquanto estava deitada em profunda análise do meu azar nas escolhas dos times de futebol que me lembrei de tio Murphy e logo veio a cabeça um episódio clássico da minha vida.
Era um domingo. Final de campeonato baiano e, também, dia das mães. Pra você que não é baiano, ta por fora. Acontece que final de campeonato baiano é sagrado e nessa época era mais sagrado ainda, já que o Vitória só tomava paulada do Bahia. E o Bahia tem uma torcida tão grande quanto a quantidade de filhos que Bob Marley deixou nesse mundão de Deus. Dia de clássico, num típico domingão em família. A patuléia toda unida na casa de praia, ungida por um churrasco esperto, TV na varanda da casa, tudo muito lindo, tudo muito bem. Eu, piveta, de biquininho correndo por todos os cantos da casa, numa euforia imensa.
O instinto de tribo do ser humano é uma coisa impressionante. Tinha uma pá de meninas na casa de uma vizinha no condomínio e é aí que o perigo começa. Eu, uma criança inocente e desprovida de malícia quis me enturmar. Havia meninas cotoquinhas, como eu, mas eu queria andar com as girafinhas. Maldito instinto animal! As meninas decidiram ir ao clube, nessa época não havia piscina na casa e então era uma febre epidêmica de fogo no rabo pra ir nesse tal desse clube. Meu pai colocou a mão na cabeça e profetizou:
- Cuidado com a piscina! Seja cuidadosa.
Eu escutei, mas sabe como é criança pequena. Palavra vira caquinha na hora do vuco vuco. E então partimos felizes e saltitantes rumo ao clube. Chegando lá tudo só melhorou, altos pulos na piscina, brincadeiras e tudo parecia festa. Até que uma das meninas teve a brilhante idéia de caminhar pela borda da piscina brincando de bailarina equilibrista. Bailarina equilibrista de cu é rola, rapá. Qualquer pessoa em sã consciência sabia que aquilo ia dar um fuá imenso, digno de manchete policial. Mas eu era apenas uma criancinha, guiada por instinto. Em resumo: burra pra cacete.
As meninas grandes, desenvolvidas e com alguma coordenação motora passaram pelo desafio. Mas sabe como é, desde essa época eu já era uma Lontra desajeitada, mas meu ego e minha vontade babaca de ter alguma aceitação no grupinho me fez repetir o ato. Resultado? Escorreguei, bati meu joelho na borda da piscina e no maior mode matrix caí dentro da água. Oh, the blood. Era sangue pra todo lado. Por sorte havia uma vizinha no clube que estancou o talho imenso e me levou carregada para casa. Minha mãe só faltou desmaiar, meu pai foi mais frio. Me secou, me vestiu com o uniforme do Bahia completo, e partiu em disparada ao posto de saúde mais próximo de Guarajuba. Minha tia no fundo do carro tentava me consolar, mas era tanta dor que já havia anestesiado. O que doeu foi a porra da anestesia local. Aquilo não é de Deus não. Injeta, costura, sangue; minha mãe tendo queda de pressão. Saldo do domingo: quatro pontos no joelho, um presentão de dia das mães e o Bahia foi campeão baiano. Malandragem, analisando os fatos atuais e comparando com o passado eu chego a conclusão de que, antes eles do que eu. Pode perder mais um campeonato baiano, Bahia. Não quero ter uma crise de apêndice na próxima final.