domingo, 21 de fevereiro de 2010

Desabafo.

É um erro não desejar ser ornamental? Estagnar é que eu não quero. Não quero ver as luzes se apagarem e se acenderem, as buzinas cessarem e voltarem ao seu trabalho ensandecido de ensandecer o que há de vivo. Não quero ver as pessoas desembarcando e embarcando, quando sei que posso embarcar. Quando sei que a primeira luz a se acender na cidade pode ser a minha. Não quero ser colossal, imperial, ornamental. É o meu direito de jogar com as cartas que tenho, de bater com uma trinca na vida e não blefar. Cansei de blefes, interesses. Cansei da palavra que se esvai por hora após ser anunciada pela voz rouca e segura, que aparentemente sabe o que diz. Cansei dos tapinhas nas costas, dos sorrisinhos de canto de boca. Por isso abro meu peito e o deixo em carne viva; quem vê meu sangue sabe que é digno da minha possível confiança e da desistência das minhas carícias. Um joguete de possibilidades, na verdade. Aprendi chorando que é bom mesmo chorar. Aprendi sorrindo que é bom mesmo sorrir. Aprendi aprendendo que é bom mesmo aprender. É bom mesmo sangrar, expor a ferida interna e assim dar os méritos expostos. O mérito de quem lhe sorri e o mérito de quem lhe apunha-la. Prossigo a sangrar. Pode ouvir? Os pingos latentes no mármore velho, mármore frio. Frieza da qual estou isenta, por motivos de ventilador. Prossigo a sangrar, prossigo a viver.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Quando o sapo perde, a rã ganha.


Quem me conhece e lê isso aqui, sabe da minha dupla personalidade. Aqui essa pessoa corajosa, desbravadora de mares que manda todo mundo se foder e ralar a bunda no asfalto. Lá, no mundo real, uma cagona, insegura... E ainda assim cheia de segurança. Mas as disparidades ficam bem claras em momentos como o que vou descrever, dissertar e relatar agora. Era uma bela noite em Guarajuba, mais uma dessas noites em que a lua parece um sol radiante, iluminando toda a varanda. Depois daquele banho de piscina esperto, todo mundo foi dormir. Menos eu. Tomei meu banho, me agasalhei, fui na cozinha e catei aquele pão com queijo cheddar e refrigerante e fui me sentar na sala. Sabe trauma de gordinha como é né? Liguei a TV e acabei me deitando, ainda comendo. Me virando pra não derramar um litro de refrigerante na cara e morrer afogada. O que seria trágico. Sempre pensei em morrer de uma forma heróica, salvando alguém, um animal, uma vaca atolada no brejo. Ou então morrer de morte morrida, dormindo. Não seria heróico, mas também não seria trágico. Mas voltando a minha gordice no sofá, me deitei, pluguei naquele velho filminho da globo, porque em Guarajuba não tem TV a cabo. Sim, gente... É uma casa de praia. Mas meu codinome preferido pra Guarajuba, é casa-de-selva. Deitada e muito empolgada com o filme, me distraí. Fiz aquela velha pose de jogar as pernas pra cima da cabeceira do sofá e esticar a coluna, que sofre diariamente carregando minhas toneladas. Então o silêncio pairou e de repente veio um flashback em minha mente. O flashback era meu tio Ricarte, que mais cedo havia me falado:
- Manu, você não vai acreditar.
- Diga, meu tio.
- Tinha uma rã na entradinha da pia! Pequenininha.
- Argh. Nossa, que nojo.
- Ela tava me olhando e ainda está lá.
Montei na minha cabeça então, a mesma imagem que montei mais cedo. Uma rã pequena, compreensiva, observando meu tio escovar os dentes, lavar a mão... O que quer que ele tenha feito. Então tripliquei o tamanho da rã na minha cabeça e fiz um Godzilla mental. De repente eu ouço um “croch, pow!”. Dizem que quando você pisa em uma mina, é algo inesquecível – os que sobraram pra contar história, claro. O clique é como um atestado de óbito que lhe tira toda a capacidade de raciocinar algo lógico que possa solucionar o caso. Foi assim que aconteceu comigo e antes que eu pudesse averiguar de onde emanava o barulho uma coisa pequena, pegajosa e molhada pulou em uma das minhas coxas. Mentes permissivas podem imaginar mil coisas nesse momento, mas era somente uma rã pequena. A Manuella que escreve nesse blog pegaria a rã com a mão, olharia nos olhinhos dela, soltaria uns três xingamentos em voz alta, mandaria a pequena se foder nessa porra e jogaria a pobre rã na puta que pariu. Mas a Manuella que vive fora daqui ficou histérica. Foi como entrar no filme. Era tenso imaginar o Godzilla destruindo prédios em um filme, mas ter o Godzilla quase no meio de suas pernas balbuciando um amigável “oi” é aterrorizante. Nesses poucos segundos, só lembrei de gritar. E gritei. Gritei por tempo suficiente pra lembrar que estavam todos dormindo. Então levei minha mão até a boca, sufocando o grito e não cessei. Saí correndo pela casa até encontrar o quarto onde minha avó estava dormindo. Vale ressaltar que no caminho me bati na mesa de centro, na mesa de jantar, nas paredes, numa cômoda gigante e finalmente na porta do quarto de minha avó. Então comecei o agouro desesperado e baixinho, tentando acordar ela:
- Vó... Ô, Vó!
- hlhlqfbqlfegwqlefgb – Lê-se algo inteligível. Grata.
- Vô... A rã! – Soluçando loucamente – A rã! Ela pulou na minha perna!
- O que é, Manuella?
- Vó, a rã pulou em cima de mim. Vai lá desligar as coisas na sala, porque lá eu não volto.
- E as coisas da sala? Quem vai desligar?
- Já disse que é a senhora, minha vó.
- Meu Deus do céu! Uma menina desse tamanho, só tem tamanho pra comer. Abestalhada. Um rãzinha de nada... Me acordar por isso? Eu mereço.
E minha vó continuou falando. Na minha reação pós alívio não consegui escutar mais nada do que minha avó havia dito e então fui para o banheiro no quarto olhar meu rosto no espelho, me acalmando. Numa reação de reflexo levei minha perna até a pia e comecei a jogar água desesperadamente cogitando a hipótese da rã ser venenosa e eu ter minha segunda possibilidade de morte na noite, morte por envenenamento. É óbvio e notório pra você, claro leitor, que se houvesse alguma porra de veneno eu iria aparecer no Animal Planet por descobrir que veneno de rã se cura com água. Depois de uns 5 segundos repetindo o ato eu cai em mim, acho que o lado racional me chamou e então minha vó voltou pro quarto sorrindo. Sorrindo e me intrigando e de repente falou:
- Mas é uma besta.
- Ah, minha avó. Ela pulou na minha perna.
- Mas venha cá... Quando o sapo perde, a rã faz o quê?
- Ganha.
- Quando o sapo perde...
- A rã ganha.
Bocejei e não dei muita importância, mas minha avó continuou rindo maleficamente enquanto debandava para o quarto. O sono, o frio, o medo que se apossaram de mim só me permitiram me cagar de medo em um lugar quente: minha cama. Fui dormir e no outro dia dei espaço pra que minha mente vagasse pela noite de terror com a pequena rã. Todo mundo rindo da minha cara, piadinhas do tipo “seu príncipe virou rã?” e tudo mais. Mas uma piada em si me intrigava, a de minha avó. Eu tinha escutado, mas não entendido. Isso deu vazão pra que eu voltasse ao assunto enquanto preparava meu café da manhã na cozinha:
- Oh, anjinha – É assim que eu chamo minha avó quando não estou em meus momentos escalafobéticos com rãs em minha perna. – Que negócio é esse do sapo perder?
- É fácil. Quando o sapo perde...
- A rã ganha. A rã ganhou e aí?
- A rã ganha, a rã ganha... Arreganha. Rã ganha.
- Piadista.
Moral da história: Manuella Logrado, o alien que escreve nesta merda de blog é um bicho medroso e desengonçado. E ainda por cima lerdo, daqueles que leva um dia pra entender um trocadilho sagaz da vovó. Aí você me pergunta: e daí, manu? E daí que você tem motivos pra não a rã ganhar a perna na madruga boladona e se entupindo de comida em qualquer lugar que tenha mato por perto. Aprendeu?