domingo, 18 de julho de 2010

Ferver e foder.

Maresia, maré, mar. Começo com essa gradação, pra falar de nada. Ou falar de algo. Presa na maresia, naquele velha maré de tédio, numa casinha beira mar. (Daí você inclui o detalhe de que o mar fica na verdade há algumas pistas da minha modesta casa de praia.) Estávamos eu e vovó – aquela velha espertinha e apaixonante que já foi citada como coadjuvante e personagem principal de algumas histórias desse blog - em um domingo natural, desses em que todo mundo vai embora porque tem trabalho na segunda e só sobramos nós, os donos do recinto. Sentadas de frente pra TV enquanto os outros dormiam, ficamos olhando a anfitriã do domingo. Estava passando Sherek e minha vó não parecia tão interessada, somente olhava de relance. Acabou o filme e começou o jogo. Era o Flamengo que iria jogar, e eu não estava nem um pouco a vontade de ver aqueles homens pra cima e pra baixo atrás de uma bola. Troquei de canal. Como o sinal da TV no finzinho do mundo é uma bosta, alem da globo só o SBT pegava bem. Respirei fundo, paciente... E uma surpresa. Surpresa com ponto de seguimento mesmo, caro leitor (a). Estava passando cobertura ao vivo do Salvador Fest. Você não sabe o que é? Vem cá que eu explico, é assim: um bando de brau – brau mesmo, mané – se junta num parque grande da cidade, com direito a muito pagode, camisa colorida sacanagem e kolene no ar. Sim, transmissão ao vivo. Eu não acreditei.
Não sei o que ocorreu que Sir Durval Lelys, vocalista do Asa de Águia – bandinha presente em todas as festinhas dos filhinhos de papai e agregados da cidade – marcou presença no meio da muvuca. Eu achei interessante, intrigante. Parei minha atenção enquanto ele cantava um dos clássicos do carnaval baiano “bota pra ferver”. Essa é uma daquelas músicas chiclete, sabe? E chiclete modificado pelo povo, não conheço uma pessoa que não cante “bota pra foder”. Eu não canto e sem perceber comecei a acompanhar:
- Mas a vida, bota pra foder.
E continuei, só que mais alto:
- BOTA PRA FODER! BOTA PRA FODER!
Minha avó ao lado, balançando as perninhas, largou:
- É ferver.
- Oxe, é foder, minha avó!
- Mas ele ta cantando ferver!
- Você já viu alguém cantando ferver? Não importa o que ele canta.
Silêncio. Riso comprimido. Silêncio.
- Oh, minha avó, mas e a vida? Ela não bota pra foder com a gente?
- Naaaada! Ela bota pra ferver.
- E não fode, vó?
- Só ferve.
- Só ferve? A vida é muito escrota, vó.
- Claro. Se botasse pra foder, eu estaria mal. Eu agradeço a vida, ela sempre foi boa comigo.
- Mas quem disse que foder é ruim?
- E não é?
- Foder pode ser de tipo: Que massa, de lenhar! Ou pode ser de tipo: coisa ruim, to na merda.
- Você tem razão. Ferve e fode.

E tudo o que separa palavras são as suas diversas interpretações.