sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A rotina da dose.

- Ê gole ardente.
Bate o copo na mesa como bate na porta de casa, como bate a porta da geladeira, como jamais bateria a porta do seu carro zero na porta do bar. O veneno quente, voraz escorre pela garganta escoando pelo estômago, ecoando satisfação.
- Ê, sexta feira tacanha.
Estufa o peito se munindo de garrafa, copo e petiscos de quinta ou talvez da quinta-feira passada. Brada com o copo na mão, resmunga da semana, alivia toda a possível mágoa pungente num arroto. Estremece o chão, as bases, o mundo ao redor.
- Ê mudinho fedorento.
Toca o telefone, troca a roupa de vagabundo pela de advogado, junta os álibis, desmente os fatos, omite outros empunhando a sua principal arma: um copo de cerveja.
- E não diga que é qualquer um!
Um copo de cerveja gelado.
- Como?
Estupidamente gelado, se me permite a correção. Troca de copos, oscila bebidas como se fosse as roupas caras que sua mulher comprara. Aquela mesma que acreditou na reunião de trabalho enquanto o traía com um sócio da corporação. Troca de copo, sua mulher tira a roupa. Bebe um gole, sua mulher deixa que outro adentre seus limites em carne viva. Ele suspira, ela geme.
- Boa música, bom ambiente... Vê meu novo carro lá fora?
Que vida desencontrada, vazia... Ou talvez cheia das regalias dos cegos ostentadores.
- Deveriam me pagar por ser tão esperto.
Tola sociedade dos tolos modos, dos tolos homens, dos tolos rabos de saia desencantados. Maldita sociedade do sobe e desce mais uma caixa, mais uma mulher. Desce mais uma rodada que rode todo o mundo, pois o ciclo – aquele que não é da água, nem das plantas, nem da vida – este, não para. Ele só espera a próxima dose.

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